Em
tempos de blogs e redes sociais, ações que envolvem direito à liberdade
de expressão e demissões por ofensa à honra do empregador revelam um
novo cenário nas relações trabalhistas mediadas pelas novas tecnologias.
São características do chamado Direito Digital, em que a testemunha é
uma máquina e a prova é eletrônica.
Senzala e danos morais
"Senzala
Zest - Esta página é destinada a todos aqueles que são ou já foram
escravos do Restaurante Zest", convidava uma ex-empregada do restaurante
em um site de relacionamentos, com objetivo de atacar os sócios do
estabelecimento. Na comunidade criada, ela ainda alegava a suposta
homossexualidade do filho de um dos sócios do restaurante. A empresa
entrou com ação por danos morais e ganhou na primeira e segunda
instâncias: a trabalhadora foi condenada a pagar indenização de R$ 1 mil
aos sócios, com base nos artigos 186 e 197 do Código Civil.
Para a advogada Patrícia Peck Pinheiro, especialista em Direito Digital e
autora de obras sobre o tema, as redes sociais funcionam também como
canal para a manifestação dos trabalhadores que se sentem injustiçados.
Mas situações assim podem gerar sérias consequências. "É a velha
história de trazer a mesa de bar para dentro da rede social", diz ela.
"Se uma pessoa desabafa e fala mal
da empresa ou do chefe numa mesa de bar, tudo bem, o assunto se limita
aos presentes. Mas o que é colocado na internet é visível para
terceiros, vira documento publicado, ou seja, 930 milhões de pessoas poderão ver sua mensagem", explica.
Postura na rede
As
leis trabalhistas não impedem que as empresas estipulem, no contrato de
trabalho, condutas e posturas relativas ao uso das tecnologias – se
aquele tipo de canal pode ser utilizado, qual ferramenta e como. Tais
parâmetros também podem fazer parte de convenção coletiva. Algumas
empresas possuem até mesmo cartilhas ou manuais de redação corporativo, orientando os empregados sobre a linguagem apropriada e palavras consideradas indevidas.
Outra
novidade é que se antes o empregador fornecia os instrumentos de
trabalho, hoje levamos para o ambiente corporativo nossas próprias
tecnologias, como tablets e celulares, tanto para manter
contatos relacionados à empresa quanto para contatos pessoais, sendo
difícil manter um discernimento comunicativo. "As ferramentas mudaram
nosso modo de trabalhar e estão impregnadas no comportamento das
pessoas, tanto que elas não percebem que estão revelando mais do que
deviam", analisa a especialista em redes sociais Camilia Caparelli.
Mas
como separar o indivíduo do profissional, ou separar rede social de
ambiente de trabalho, já que, em princípio, tudo compreende redes
sociais? "O problema está em saber o que dizer e o que não dizer quando
se escreve, uma vez que o que se escreve é diferente do que se diz, tem
dimensões diferentes e leva a diferentes interpretações. Deve se ter todo cuidado para não cair em nenhuma saia justa", diz a especialista.
No caso da publicação via Internet, a justa causa pode ser aplicada com base no artigo 482, alínea "k", da CLT,
segundo o qual todo ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas
contra o empregador e superiores hierárquicos constituem motivos para a
dispensa. O controle dos computadores é legal e, caso seja identificada
utilização indevida dos equipamentos ou da web, a direção pode demitir
alegando justa causa.
Foi
o que aconteceu com uma assistente administrativa de uma empresa de
tecnologia demitida por uso indevido da Internet. Conforme a decisão,
"enquanto se dedicava ao contato virtual com o namorado para tratar de
recordações vividas ao seu lado, em momentos íntimos, não atendeu por
volta de seis ligações". Para o juiz faltou bom senso da trabalhadora,
além do fato de que todas as ligações da empresa e os computadores eram
sabidamente monitorados.
Patrícia
Pinheiro (foto) recomenda aos empregados que tenham postura adequada
nesses ambientes eletrônicos e, em hipótese alguma, façam uso deles para
contatos íntimos, prática de ofensas, atos ilícitos ou antiéticos.
Segundo a advogada, empregados também não devem colocar conteúdos de
trabalho em blogs ou redes sociais. A especialista explica ainda que
para instruir um processo cuja petição se baseia em provas virtuais,
como históricos de conversas no MSN, acesso ou troca de arquivos
pornográficos, e-mails etc., a documentação deve ser apresentada em
formato original, via CDs, DVDs ou pen drive, e deve-se pedir segredo de justiça devido ao tipo de conteúdo e ao grau de exposição das partes envolvidas.
Liberdade de Expressão
Há
casos, porém, em que o motivo alegado para demissão não se deu no
ambiente de trabalho ou por meio de equipamentos fornecidos pela
empresa, e sim na esfera pessoal. Aí, mais do que a violação de regras
de conduta, o que está em jogo é a liberdade de expressão e suas
implicações na relação de trabalho.
Servidora
do Município de Cândido de Abreu (PR), N. M. P. G. teve sua
gratificação suprimida, segundo ela, porque suas convicções políticas
não se alinhavam com as do prefeito do município. A servidora exercia a
função há mais de dez anos e disse que a medida teve "nítido caráter
punitivo". De acordo com uma testemunha, apenas a servidora perdeu a
gratificação.
A
sentença condenou o município a restituir os valores da gratificação e a
pagar indenização por dano moral no valor de R$ 4 mil à servidora. O
município recorreu e o caso chegou ao TST. A relatora, ministra Rosa
Weber (atualmente ministra do Supremo Tribunal Federal), considerou que o
município, ao suprimir a gratificação por questões políticas, violou o
direito fundamental da servidora à liberdade de consciência, assegurado
no artigo 5º, incisos VI e VIII, da Constituição da República.
Caso
semelhante viveu A. F. A. P. G., servidor da prefeitura de Itu (SP),
demitido por justa causa depois de publicar em uma rede social palavras
consideradas ofensivas ao prefeito da cidade, Herculano Passos Júnior
(PV). Em um dos posts, ele incitava a população a não mais
votar em "certos pilantras que nomeiam incompetentes para administrarem
os setores da municipalidade".
O
funcionário conta que foi surpreendido em sua sala de trabalho pela
visita do prefeito e de um secretário pedindo que ele se explicasse em
relação às mensagens. Embora alegasse liberdade de expressão, dois meses
depois foi demitido com a justificativa de ter atentado contra a moral
do empregador. "Fui ignorado por colegas e fiquei mal falado dentro da
secretaria", lembra ele.
Em
2007, ele entrou com ação trabalhista contra o município. Ganhou em
primeira e segunda instâncias. Segundo a decisão, não havia provas de
que as postagens tivessem ocorrido em horário de trabalho, e os
comentários diziam respeito aos acontecimentos políticos da cidade de
Itu, os quais, segundo o juiz, "eram de conhecimento público e notório
de qualquer cidadão". Hoje, já reintegrado, o funcionário aguarda
receber quatro anos e nove meses de salários e demais benefícios.
"Saias justas"
No
uso das ferramentas tecnológicas de trabalho, como o e-mail
corporativo, os especialistas sugerem cuidado com a precipitação na hora
de dar uma resposta. A instantaneidade da comunicação eletrônica pode
levar a respostas mal elaboradas – ou irrefletidas – e,
consequentemente, a mal entendidos. Foi o que aconteceu, em 2008, com um
servidor da TV Senado, que respondeu com um palavrão a um e-mail em que
a assessoria do então secretário de Emprego e Relações de Trabalho de
São Paulo, Guilherme Afif, comunicava sua presença numa audiência
pública na Câmara, e foi alvo de uma sindicância interna.
Uma
prática comum em mensagens corporativas apontada pela advogada Patrícia
Peck é o hábito de "copiar" diversos destinatários, ou seja, mandar
cópias de uma mensagem de e-mail para diversas pessoas. "Todos os
‘copiados' acabam cientes do assunto tratado, e nem sempre têm alguma
coisa a ver com ele", alerta.
Outro
aspecto apontado por ela é o excesso de informalidade, que também pode
comprometer o profissionalismo e gerar confusão – como encerrar um
e-mail com "beijos" (ou, abreviadamente, "bjs"), usar apelidos ou abusar
nas gírias e na linguagem típica das comunicações entre amigos na
internet.
Como
para toda regra há exceção, em pelo menos um caso a informalidade foi
benéfica. No julgamento da Ação Penal 470 (o "mensalão") pelo Supremo
Tribunal Federal, um dos argumentos apresentados para demonstrar que uma
das rés, a gerente financeira Geiza Dias, não sabia que estava
envolvida em irregularidades foram os e-mails que trocava com colegas da
agência SMP&B e funcionários do Banco Rural. Em tom informal, ela
manda "beijos" e "abraços" nas mensagens sobre saques – o que, para o
revisor da AP 470, ministro Ricardo Lewandowski, era indício de que não
agia com má-fé. "Quem lava dinheiro não manda beijos e abraços, não se
coloca à disposição para esclarecimentos suplementares", afirmou. Geiza
foi inocentada de todas as imputações.
(Ricardo Reis e Carmem Feijó / RA)
fonte:
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